terça-feira, 11 de novembro de 2008

Fabiano

Calçou as chinelas. Pegou as chaves de casa, saiu pela porta e ganhou a rua. O choro das crianças atrás de si, a gritaria da mulher ainda em seus ouvidos. Saíra para comprar leite. Leite e pão. Era esse o motivo do choro e da gritaria. Leite e pão. A vida não andava bem, tempos difíceis, tempos difíceis... a comida já não vinha sempre e quando vinha era pouca. As crianças choravam, a mulher gritava, brava. “Seu vagabundo! Vai trabalhar, vai arranjar leite pras crianças!”. Trabalhar... como se houvesse trabalho.
Então, seguia em frente. Atravessou a rua, dobrou uma esquina, entrou em uma viela, pisou em um buraco fundo cheio d'água... ficou bravo e continuou andando. Que mais faria? Andar, andar, era tudo o que sabia fazer. Era preciso seguir em frente, mesmo sujo de água de rua, mesmo desempregado, pobre, miserável... era preciso seguir em frente. E seguia, como um boi, trôpego retirante.
Um carro! Que susto, precisava parar de pensar e prestar atenção no caminho. Parar de pensar. Afinal, pra que pensar? Ele pensou e planejou sua vida, lutou por ela, correu atras do que lhe pertencia, e o que conseguiu? Um barraco, umas migalhas de pão que não alimentam corvos, muito menos sua esposa e filhos. Ele pensou... e foi esse o resultado. Não tinha trabalhado e se empenhado tanto para acabar miserável. O que será que deu errado no meio do caminho? Não achou resposta para essa pergunta. Talvez nada tivesse dado errado. Talvez... mas talvez não é certo, e o que não é certo é dor. Talvez não... não era dor, não era nada.
Finalmente chegou à padaria. Tirou o cobre do bolso, pediu os pães e o leite. “Obrigado, boa tarde.”. Por que as pessoas dizem essas coisas? Obrigado... obrigado por que? Por nada. Apenas por formalidade, nada mais. Um obrigado seco, morto, cinza. Aliás, tudo na vida parecia formalidade. Tudo cinza. E parecia que ia chover. Saiu da padaria e se apressou para voltar para casa. Um pingo. Dois pingos. E aí a coisa desandou. Como se já não bastasse o estado de espírito em que se encontrava, agora tomava chuva e os pãezinhos, quentinhos, se ensopavam. A esposa não ia ficar contente. Parece que só coisa ruim acontece com pobre. É, assim é a vida. Passa por cima da gente. Esmaga, destrói, queima... mas não mata. Deixa ali, para os urubus. É assim com todo mundo. Todos estamos entregues aos urubus.
Chegou na rua de casa. Viu o barraco, pensou se queria mesmo entrar. Coragem homem! Abriu a porta e entrou.

Um comentário:

Igor Lessa disse...

Nessas horas é preciso rasgar a própria barriga, e vasculhar por dentro de todo o corpo, com a mão direita, o que há lá dentro pra te tirar dessa...